O controle da composição do leite - Dr. González

Não só a quantidade de leite produzida, como também sua composição, depende da forma como o bebé mama. O bebé controla o peito para obter o tipo de leite que necessita em cada momento.

A quantidade de gordura no leite aumenta ao longo da mamada. Não é um aumento pequeno; está comprovado que a concentração de gordura ao final da mamada pode ser cinco vezes maior que no princípio. Às vezes, fala-se em "leite do princípio" e "leite do final"; mas não é que existam dois tipos de leite, "plim", acabou o leite desnatado e agora sai leite com gordura. A quantidade de gordura (e, portanto, de calorias) vai aumentando gradualmente, como se mostra no esquema da figura 1. No princípio, o bebé mama poucas calorias em grande quantidade de leite; no final, muitas calorias em pouco volume. Veja que nesse gráfico não aparece o tempo. O tempo depende da velocidade em que o bebé mama; pode ser que mame tudo que quer mamar em dois ou três minutos, ou pode precisar de mais de vinte.
Assim, quanto mais leite o bebé ingerir em uma determinada mamada, maior será a quantidade de gordura ingerida (é possível que haja um limite máximo, claro, mas esse limite nunca se alcança, porque como já dissemos, um bebé nunca esvazia o peito completamente). Quando solta o peito, essas últimas gotas que ainda caem têm uma concentração de gordura muito alta. Quando voltar a mamar, após algumas horas, as primeiras gotas de leite terão muita pouca gordura. Aquele último leite concentrado foi sendo diluído durante esse intervalo com o novo leite, mais aguado, que foi produzido nesse período. Acredita-se que também aqui exista um autocontrole, e que, se o bebé deixa dentro do peito muita quantidade de gordura, esta inibe a produção de mais lípidos e o leite produzido em seguida é mais aguado que o habitual. Como se o bebé dissesse: "mamã, não consigo terminar de comer esse macarrão, está muito gorduroso." e ela responde, "não se preocupe, na próxima vez colocarei menos óleo".

Suponhamos que o bebé pega e solta o peito, mas após cinco minutos, volte a mamar. Sairá leite com pouca gordura? Claro que não, não houve tempo para que o leite recém produzido tenha diluído o que ficou no peito no fim da mamada anterior. Sairá, desde o princípio, o mesmo leite "do final" que estava saindo há alguns instantes. A quantidade de lípidos do começo da mamada depende do nível que se alcançou na mamada anterior e do tempo decorrido desde então.

A todo momento, estamos falando de um só peito. Mas, claro, tem também o segundo. Tomar 100 ml de um só peito não é o mesmo que tomar 50 ml de cada um; no segundo caso, o bebé está tomando muito menos gordura e, portanto, muito menos calorias. E também não é o mesmo que tomar 70 e 30, 85 e 15...
E se não é o mesmo, o que é o melhor? Quando tirar o bebé do primeiro peito para colocá-lo no segundo? Não fazemos idéia. Não sabemos qual a quantidade de lípidos que um bebé necessita (os livros de nutrição podem dizer coisas como: “os lactentes entre seis e nove meses necessitam entre x e y miligramas/quilo/dia de lípidos”, mas não pode nos dizer quantos lípidos Laura de Souza, de 8 meses, necessita tomar essa tarde às 16h28min), não sabemos qual a quantidade de lípidos tem o leite no princípio da mamada, não sabemos quantos ml de leite já tomou, não sabemos em qual velocidade está aumentando a quantidade de gordura no leite nesta mamada determinada, não sabemos qual a quantidade de gordura terá o leite do segundo peito, não sabemos qual a quantidade de leite do segundo peito que caberá no estômago dele. E como há gente capaz de dizer coisas como: “em dez minutos tire o bebé do primeiro peito para dar o segundo?” Vai saber! A ignorância dá asas à audácia.
Cada bebé dispõe, pois, de três mecanismos para modificar a composição do leite que toma a cada momento: pode decidir o quanto de leite vai tomar, quanto tempo demorará para voltar a mamar, e se mamará um peito ou dois. Foi comprovado cientificamente, analisando o leite em cada caso, que os três factores influenciam na sua composição. A quantidade de leite ingerida deveria depender do tempo em que o bebé está no peito; mas a relação é tão variável (uns mamam depressa e outros devagar) que estatisticamente não há relação: não podemos dizer “se está mamando há cinco minutos, ingeriu 50 ml, se está há dez minutos, mamou 130 ml”. A concentração de gordura não depende da quantidade de tempo que o bebé mama e sim da quantidade de leite que o bebé mama no período. Veja bem, para um bebé determinado, em uma mamada determinada, é óbvio que se lhe tiramos do peito antes, terá tomado menos leite. E, se por uma lado é fácil medir quanto tempo mama, por outro é muito difícil saber quanto de leite tomou. Assim, para fins puramente didácticos poderíamos dizer que os três mecanismos de controle são:

- a duração da mamada;

- a frequência das mamadas;

- mamar um peito ou dois.

Cada bebé, em cada momento do dia ou da noite, modifica à vontade esses três factores para conseguir o alimento que necessita.
Quando se tira o bebé do primeiro peito antes de que ele acabe (talvez porque alguém com boa vontade advertiu: “principalmente, dê o segundo peito antes que ele durma”), em vez do último leite do primeiro peito, tomará o primeiro leite do segundo peito. Isso significa, como indica a figura 2, que necessitará tomar mais quantidade para obter as mesmas calorias. Se a diferença for pequena, provavelmente não acontecerá nada. Toma um pouco mais de leite e problema resolvido. Mas se mudam o bebé de peito quando ainda teria que mamar muito do primeiro (por exemplo, quando tiramos do peito com dez minutos um bebé necessita de quinze ou vinte minutos) a quantidade de leite que teria de tomar é tão grande que, simplesmente, não cabe em seu estômago. Nos adultos, o estômago tem uma capacidade muito superior a que normalmente se usa; poderíamos tomar um litro de água depois de comer e quase não sentiríamos nenhum incomodo. Mas o estômago de um bebê é muito pequeno, quase não tem capacidade de reserva. O bebé se vê obrigado a soltar o segundo peito porque não aguenta mais nada, mas por outro lado, ainda está com fome; a situação é muito similar à que ocorre quando a pega está errada.



Em 1988, Michael Woolridge e Chloe Fisher publicaram na prestigiada revista médica Lancet cinco casos de bebs que apresentavam de forma continuada choro frequente, cólicas, diarreia e outros incómodos. Bastou dizer às mães que não tirassem o bebé do primeiro peito, mas que esperassem que ele soltasse sozinho quando acabasse, para que os problemas desaparecessem. Pouco depois, Woolridge e outros pesquisadores tentaram reproduzir experimentalmente a situação em um grupo de bebés saudáveis que não tinham problemas com a amamentação. Disseram à metade das mães que tirassem o bebé do primeiro peito após dez minutos, e à outra metade que esperassem que o bebé soltasse o peito espontaneamente. Pensavam que os bebés do primeiro grupo tomariam líquido demais, lactose demais e pouca gordura e, portanto, teriam cólicas, vómitos e gases. Mas os próprios bebés modificavam os outros dois factores, o intervalo entre as mamadas e a decisão de mamar um peito ou os dois, de forma que ao longo do dia conseguiam mamar a mesma quantidade de gordura que o outro grupo e não tinham nenhum problema.

Como o bebé tem três ferramentas (lembre: frequência das mamadas, duração das mamadas, mamar um peito ou dois) para controlar a composição do leite, é possível que a maioria deles dê um jeito para controlar com duas delas, mesmo que tenhamos fixado a terceira arbitrariamente. Talvez aqueles cinco bebés que tiveram problemas para limitar o tempo de sucção sejam excepções, sejam bebés (ou mães) com menor capacidade fisiológica de adaptação. Do mesmo modo, todos nós caminhamos, mas na hora de correr uns irão mais depressa e se cansarão antes que os outros.
A capacidade de adaptação dos seres vivos pode ser muito grande, mas não podemos esperar milagres. Ao longo do século passado, muitos médicos se empenharam em controlar simultaneamente os três factores: o bebé tem que mamar exactamente dez minutos de cada lado a cada quatro horas. A exactidão chegava a ser obsessiva; ainda hoje algumas mães perguntam se as quatro horas começam a contar desde quando o bebé começa a mamar ou desde que acaba (porque, claro, com dez minutos por peito e um entre eles para arrotar, seriam quatro horas e vinte e um minutos). Muitos livros e muitos especialistas nem sequer diziam “a cada quatro horas”, mas estipulavam as horas concretas: às oito, ao meio dia, às quatro, às oito e à meia noite. Nem pense em dar às nove, à uma e às cinco! Entre meia-noite e oito da manhã havia um descanso nocturno de oito horas (passar metade da noite acordada vendo seu filho chorar e não podendo dar de mamar era chamado de descanso nocturno). O intervalo de quatro horas era a recomendação da escola alemã. Também havia uma recomendação da escola francesa de dar de mamar a cada três horas, com descanso nocturno de seis horas. Cabe perguntar se dar de mamar cinco ou sete vezes durante o dia influía no carácter nacional desses países. Também havia partidários de dar em cada mamada um peito ou ambos (esses últimos mais numerosos), o que no total perfaziam quatro teorias: um peito a cada três horas, dois a cada três, um a cada quatro horas e dois a cada quatro horas. Mas, habitualmente, cada médico seguia uma teoria somente e a defendia com entusiasmo.
Assim, os bebés se encontravam totalmente desarmados: não poderiam decidir sobre a frequência, nem sobre a duração, nem o número de peitos que deveriam mamar. E não podiam controlar nem a quantidade nem a composição do leite, tinham que se conformar com o que o acaso lhe determinava. Na maioria dos casos, a quantidade era insuficiente e a composição, inadequada; os bebés choravam, queixavam-se, vomitavam, não aumentavam de peso... Há uns anos, na Espanha, ainda amamentar aos três meses era raro, e fazê-lo sem ajuda de complemento era quase heróico.

Claro, também há casos em que, pela mais rocambolesca das coincidências, o bebé obtém a quantidade de leite de que necessita e com uma composição adequada mamando dez minutos a cada quatro horas. Essas raras excepções só vêm confirmar a fé dos médicos nos horários rígidos: “Isso de amamentar em livre demanda é uma bobagem. Eu conheci uma mãe que seguia ao pé da letra a regra de dez minutos a cada quatro horas, e tudo ia maravilhosamente bem; amamentou até os nove meses e o bebé dormia como um anjo e engordava perfeitamente. O que acontece é que as mães de hoje não querem trabalho, preferem a comodidade da mamadeira.”

Woolridge MW, Fisher C. Colic, “overfeeding” and symptoms of lactose malabsorptiom in the breast-fed baby: a possible artifact of feed management? Lancet. 1988; 2:382-4.
Woolridge MW. Baby-controlled breastfeeding: biocultural implications. En Stuart-Macadam P, Dettwyler KA, eds.: Breastfeeding. Biocultural perspectives. New York: Aldine de Gruyter, 1995.
Woolridge MW, Ingram LC, Baum LD. Do changes in pattern of breast usage alter the baby’s nutrient intake? Lancet 1990;336:395-397.

Tradução: Fernanda Mainier
Revisão: Luciana Freitas

Nota das tradutoras:

Resumindo, os bebês têm 3 mecanismos para controle das mamadas e da ingestão de leite:

1- a duração da mamada - portanto é um erro determinar que o tempo que o bebé deve mamar, nem 5 nem 10, nem 15, nem 50 minutos. Cada bebé controlará em cada mamada quanto tempo deve mamar.
Se tiramos o bebé antes do tempo que ele vai determinar naquela mamada, é óbvio que terá mamado menos do que necessita.

2- a frequência das mamadas - portanto, é igualmente errado colocar intervalos fixos para mamadas: nem de 3 em 3 horas, nem de 4 em 4 horas, nem de 1 em 1 hora. O bebé é que determina se quer mamar 1 hora depois ou 3 horas depois. É o que chamamos livre demanda.

3- se quer mamar um peito ou dois - só devemos trocar o bebe de peito numa mesma mamada, se ele largar espontaneamente o primeiro e demonstrar que ainda quer mamar, e que o primeiro se esvaziou (se no primeiro ainda há leite, deve-se oferecer o primeiro novamente - se for na mesma mamada). Assim, a regra é um peito por mamada, a não ser que ele ainda queira mais. E sempre alternando os peitos a cada mamada.

Se colocarmos limites nesses três factores, ou seja, determinar quantos minutos devem durar as mamadas, determinar o intervalo entre elas e oferecer sistematicamente sempre os dois peitos numa mesma mamada estaremos contribuindo e muito para que o bebé não ingira a quantidade de leite adequada ao seu desenvolvimento.

Esqueçam o relógio!


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10 comentários:

Anónimo disse...

Muito esclarecedor,minha bebe tem 20 dias, e eu achava que ela estava mamando pouco , ficava entre 5 e 10 minutos em um so peito e logo adormecia, eu ja estava apavaroda, mas pra minha surpresa quando a levei ao pediatra ela havia ganhado 1kge 25gr em 10 dias que havia saido do hospital,estava ganhando peso super bem e agora gradativamente temn aumentado o tempo das mamadas, e tem se acordado sozinha pra mamar a cada 3 horas mais ou menos, antes eu tinha de acorda-la, sempre deixei ela mamar oquanto quisesse em um peito e depois o outro institivamente, e ´um horror os absurdos que ouvimos sobre a amamentação...cheguei a ouvir no hospital de uma enfermeira que se a bebe não ficasse pelo menos 40 minutos em um peito não ganharia peso... agora sei que estou fazendo a coisa certa pela minha bebe enão tenho dado muito ouvido as sugestoes alheias!!!

Anónimo disse...

Estou ficando mais de 3:00 horas com minha bebe nos dois peito, ela com apenas oito dias de nascido, mas ela parece não ficar satisfeita. Que faço?

Unknown disse...

Olá,

Para que possamos ajudar, sugerimos que nos envie um e-mail para mamaraopeito@hotmail.com.

Aguardamos a recepção do e-mail.

Jocas,
APPM

Priscila Faustino disse...

Muito bom, adorei as informacoes me ajudaram a relaxar acho que estou fazendo certo obrigada

Daniela disse...

Olá! Meu bebe mama muito, ele tem 21 dias e desde a maternidade já toma complemento, orientado pelo pediátra que acompanhou o parto. Tenho medo da minha produção de leite ser baixa, tem vezes que ele mama um tempão, larga o peito, dorme um pouquinho e chora de fome logo depois... Só acalma com a mamadeira de complemento. Eu tenho percebido um aumento significativo com as cólicas, ele chora de dor tadinho e eu não sei o que fazer. Admito que sofro com a amamentação, meus mamilos sempre foram muito sensíveis e com a amamentação estão bem doloridos, principalmente quando ele cemeça a mamar. Não sei o que fazer.

Unknown disse...

Olá, Daniela

Para que possamos ajudar, sugerimos que nos envie um e-mail para mamaraopeito@hotmail.com.

Pelas informações que nos indica poderá ser um caso de pega, mas só com mais informações é que pudemos ajudar.

Aguardamos a recepção do e-mail.

Jocas,
APPM

Unknown disse...

Olá, Daniela! Recebemos a sua resposta, mas preferimos tratar estas situações por email e não temos o seu contacto! Aguardamos que nos indique o endereço de email para que possamos responder! Jocas, APPM

Anónimo disse...

Minha bebe tem 3 meses. Costumo dar os dois seios desde o comeco. Ultimamente ela dorme mto no seio, mas e tanto qued epoisd e dez minutos decido tira-la esperar um poucoe. Dar o outro seios. Acho que naos eja normal ela dormir, mas tenho certeza que ela, nos dois seios, mama o necessario. Ou assim espero. O que vcs acham?

Flávia Fernandes disse...

Eu estou passando pela situação de que meu bb mama 5 min e depois ja solta. Estava achando muito pouco mais tento dar de novo o peito mais ele ñ pega de jeito nenhum, chega a chorar. As minhas roupas estao todas manchadas do leite, como se eu tivesse derramado oleo nelas, isso pode ser sinal q o meu leite é bem gorduroso? Ele só pegou um peito, o direito, o peito esquerdo tem o bico invertido e ele ñ conseguiu pegar. Então todas as mamadas são com um peito só. Ele tem 2 meses, esse mês ele engordou 1,500 e mês passado engordou 1, 200.

Mirela disse...

Muito bom isso tudo já sou mãe de uma menina de 4anos e agora estou gravida de 7 meses então pra mim ler isso tudo e bom para começas a me adaptar novamente e começas a me acostumar novamente isso é maravilhoso. Parabéns a todos pelo site.

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